sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Férias - Museu Língua Portuguesa

Férias!

- Queria assistir "Divertidamente", vamos amanhã?

- Ah, mamãe. Eu já vi - Aaaaffff!!! Ela e seus baldes de água fria!!! - Queria ir no Catavento!

- De novo???? - Ela já tinha ido umas quatro vezes no último bimestre!

- Ah... Um museu então... sei lá....

Uau!!! Museu!!! Culta!!! rs..... Nunca sugeri à minha mãe que me levasse a um museu!!! Vergonha!!! Respondi:

- Hummmm... vamos no Museu da Língua Portuguesa???

Ela fez cara de desconfiada... Aposto que achou temerário Língua Portuguesa nas férias, mas ao invés disso apenas perguntou:

- É legal isso?

- Dizem que é bem interativo...

- O que é interativo?

- É quando tem atividades que a gente consegue participar de alguma forma...

- 'Participar' com Língua Portuguesa???

- Dizem que é!

- Hum... Tá bom!

Demos uma olhadinha no site, conferimos horários e preços e lá fomos nós...

O museu fica nas instalações da Estação da Luz - uma das estações ferroviárias mais movimentadas de São Paulo. Histórica por ter sido uma das primeiras construções da cidade, mesmo que em outros moldes... 

Chegamos uns quinze minutinhos antes das 14h00, horário da visita monitorada e optamos por aguardar... entre uma fotinho e outra... claro!!! rssss....





O monitor chegou pontualmente e logo começamos nossa pequena "excursão" pela rua, calçada, prédio, saguões. Apenas nós três, o que tornava tudo mais pessoal e aconchegante, e estávamos maravilhadas com a carga histórica daquele lugar.

Lugar encantador, tanto pela poesia própria de uma estação ferroviária, como pela arquitetura (o projeto é Inglês, o que a faz irmã gêmea da estação de trem do Harry Potter! O que, por si só, já conquistou minha filha!), mas também marcado por erros, lágrimas, disputas, despedidas, crimes.

Grana! Negócios! Gente!

Berço de dores, fracassos, progresso, alegrias, mentiras.

Orgulho!!!

Verdades!!!

Vergonha!!!

A sobriedade do lugar espantava tanto quanto a História.

O museu da Língua Mãe misturado à história das raízes. 

Ser conhecedor da real história faz diferença. Sentir a história é carregar em si o peso da verdade e a responsabilidade da opção entre valorizá-la ou não.




Carregávamos poesias e detalhes que, sem o contexto histórico, passariam despercebidos e que, talvez, passassem por nós rotulados meramente como "arquitetônicos" e "belos". 

Passamos por salas e corredores diversos, desde aqueles cujo acesso é restrito e pouco visitado, guardadores de segredos, até os mais disputados e iluminados - públicos! 



Percebíamos que, assim como o prazer e a beleza, a história nos envolve e agora as palavras também.

As palavras nos rodeavam, grudadas na luz como insetos. Zumbindo na alma, ansiosas para que notássemos suas possibilidades.

Participamos de dinâmicas que nos provaram que as palavras tem asas, o que as torna maiores que os sentidos, e  toda essa "loucura" nos atinge como vento... Pássaros no ar!!




E por aí, nessa loucura de sentir, vamos tendo noção em escala de nossas próprias possibilidades: infinitas, rasantes, profundas, umbilicais.



Como um encerramento, a última sala é branca, simples, adornada apenas com um grande relógio, com uma mesa comprida, repleta de livros também brancos, cujos títulos eram elas: as palavras... cada uma reinando no seu próprio exemplar branco, como se fossem donas de um mundo feito por infinitas promessas.


Naquele ambiente, desprovido de realidade ou sugestões, onde o tempo deixava de ser numérico para ser morfológico, qualquer momento era perfeito para registrar nosso "infinito particular" (obrigada, Marisa Monte! Adoro essa expressão e suas músicas também! rs). O tempo inteiro! 


Três foram os registros que guardei, e que, portanto, se tornaram infinitamente maiores que as chamas que, tempos depois, devastaram nosso museu das palavras, como se elas, finalmente, estivessem livres para voar.

"Sem direção, segui meus passos para um encontro com quem me embala na solidão da minha busca.
Busca que não ousa comparações.
Uma busca só minha.
Sentido único!
As palavras me esperavam atentas para um abraço solidário.
Elas me entendem, eu sei!
Procuro uma versão mais refinada de mim, mas talvez elas a tenham primeiro que eu."

Lela

"E num labirinto eterno, sem cores e sem saída, se encontra um mundo de poesias."

Clara

E a imagem de uma amiga, Cristina Oliveira, que também guarda o gosto pelos sentires que causam as letras: 

Cristina Oliveira e sua poesia em mosaico - em dezembro de 2015.

P.S.: Nossa visita foi em julho de 2015. A de Cristina, em dezembro do mesmo ano, poucos dias antes de as chamas visitarem o museu da Língua Portuguesa. A boa notícia é que, além de estar sendo reconstruído e, como as palavras são imortais, o museu continua atuando de forma itinerante em nosso território, mostrando que apenas o que é material pode ser destruído... Algumas páginas foram queimadas... queimou a cobertura onde antes voavam sedutoras palavras... O mistério é que a mesma dor trazida pela tragédia, faz poesia em nossa alma. Então, pegue seu verso! Abriu-se a gaiola! Libertaram-se as palavras! Apanhe algumas e registre-se! Use o poder e faça-se imortal!



A gente se (re)escreve por aí!!! ;)

Grande beijo, e uma infinidade de letras para todos nós,

Lela s2 abssjggyegdjbsxjksndfisruhfisndkn =)



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terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Férias - Viver "perigosamente" no Parque Ibirapuera


Em tempos frios, nada como a generosidade do sol aos domingos, né?

Eu e Clarinha não perdemos tempo.

Foto: Lela Albuquerque
Há muito que a gente queria ver o céu de pertinho, e aquele projetor do Planetário do Ibirapuera, apesar de não guardar a potência, definição e opções de um digital, tem seu charme e o tal fascínio das máquinas antigas que, embora de uma era de pouca tecnologia, não só fizeram história, como nos brindaram com o conhecimento possível de ser armazenado em suas engrenagens.

Foto: Lela Albuquerque
Clara tem 10 anos e gosta de astros e estrelas. Não chega a ser uma paixão, mas gosto de ver o jeito respeitoso com que ela aprecia o céu e a curiosidade que vem com uma ou outra pergunta tímida, e, já que as minhas respostas também são tímidas, nada como aprender juntas, né? … Enfim, lá fomos nós ao Ibira para a última sessão de domingo, a das 17 horas.

fascínio foi diferente. Para mim, um gostinho de lembrança da infância, quando tudo era novidade e encantador, e, agora, acompanhando minha filha, vinha o prazer de saber exatamente o encanto que ela estava sentindo com a descoberta de que existem escorpiões, touros, centauros e outros seres encantados brilhando no céu.

A sessão é curtinha, nada cansativa, e assim que as luzes se acenderam ganhei o presente de ver outro tipo de brilho, um brilho bem forte e dessa vez só para mim, nos olhinhos da minha pequena. Sim! Vale a pena, sim!

Foto: Lela Albuquerque
Mas a vida é mesmo uma caixinha de surpresas, não é? E mal sabíamos que ainda havia muita alegria pela frente.

Ao cruzarmos o limite da porta do planetário e acessarmos a rampa da saída, percebemos que estava caindo uma chuvinha, nada forte, mas daquelas que nos força a procurar abrigo. E, com isso, vários jovens reunidos em pequenos grupos, estavam sentados ali e… comiam pizza!!!! Pizza mesmo, na embalagem tradicional, sabe? E o cheiro??? Nossa!!! Aquilo deu uma fome e não uma fome qualquer… Era fome de pizza! Claro! Estávamos hipnotizadas! Olhávamos e babávamos na pizza de todos! Era mussarela e calabresa! Meio a meio… Ai, meu Deus!



Foto disponível no Google

     ̶  Que é isso, filha? De onde surgiu tanta pizza???

Ela me respondeu com os olhinhos vidrados:

      ̶  Não sei, Grei… (nome pelo qual ela carinhosamente costuma me chamar… )

Aí ouvimos:

      ̶  Olha a pizza! Tá acabandoooo! Pizza é 20! Pizza é 20! Tá acabando!

Acho que, nesse momento, veio a dúvida a respeito do que era maior, se a vontade de comer aquela pizza ou o mico de andar segurando uma embalagem de pizza na garoa rumo ao carro. A dúvida durou apenas um olhar e três segundos no máximo. Dois minutinhos depois, estávamos indo para o carro… Eu, Clara e a pizza. E íamos “passeando no bosque”, felizes por termos nos permitido satisfazer nosso desejo e contentes com nossa aquisição, sem esperar mais nenhum episódio incomum, quando…

Estávamos em uma parte do caminho onde a alameda em que andávamos cruzava outra e, até aí, novidade nenhuma. Porém, existia também ali uma edificação (o Pavilhão das Culturas Brasileiras), que nos impedia de ter uma visão ampla de quem cruzava conosco, mas nossa audição era boa, o suficiente, para ouvirmos um burburinho alto e frenético, do tipo que é causado por um grupo de várias pessoas, e barulho de passos apressados… bem apressados, na verdade… barulho de gente correndo… ai, meu Deus, o que era aquilo agora?

De fato, quase instantaneamente, um pequeno grupo passou correndo apressado, com todos os integrantes falando alto, gesticulando, cruzando o nosso caminho:

       ̶  Vem, vem, vem, Fulano, aqui ó…. bem aqui!! É prá cá, é prá cá, vem, vem, vem…

Confesso que olhei “prá lá” e não vi nada, só a cerca à margem do lago. E eu podia jurar que não havia mais nada ali. Atrás deles, mais dois ou três perdidos e, em seguida… Deus do Céu!!! O que era aquilo?? Uma multidão! Correndo e falando, e gritando, e gesticulando, sem nem sequer notar a nossa presença desesperada, tentando desviar de todo aquele mundo de gente que apareceu do nada… A Clara, segurando a barra do meu vestido pra não se perder; eu, segurando a pizza pra ela não voar; e nós duas dando girinho ao redor de nós mesmas, tentando cruzar aquele mar de gente que não parava de aparecer, correndo, gritando, rindo e gesticulando…

Eu também já estava gritando:

      ̶  Filha! Filha! Gruda aí (no meu vestido)… Que é isso, filha?! Que mundo de gente é esse?!

Ela também gritou:

      ̶  Oi?

      ̶  Que que é isso, filha?!

      ̶̶  É Pokémon, Grei… É Pokémon!!!

      ̶  AAaahhhhh! Cê tá brincando??? Será??? – ainda gritando…

      ̶  É, Grei! É Pokémon!

Foto disponível no Google

Kakakakakakakakakakakakakakkakakakakakakak! Meu! Fala sério! Eu já ria tanto daquela situação inusitada que agora nem girar mais no meio do povo eu conseguia…. Parei lá no meio daquele povo enlouquecido mesmo e até me curvei de tanto rir…. As duas, né? Rindo e deixando o povo passar por nós atrás de algum bichinho virtual fujão…. Ai, ai… Era pai com filha adolescente, grupinho de amigos de todas as idades, todos com celular na mão, falando, chamando, gritando e correndo cegamente… E nós lá… rindo desesperadamente, com a pizza na mão.

Enfim, depois daqueles instantes de loucura compartilhada, nos refizemos e seguimos nosso caminho; e, apenas alguns passos depois, a garoa resolveu se intensificar…

Parque Ibirapuera sob a chuva. Foto: Sérgio Valle Duarte.

  ̶  Aperta o passo, aí, Chu (o jeito de eu chamar minha filha). Ai, caramba, vai molhar nossa pizza… Mó cheirão bom, não dá pra perder.

E foi só apressar um tiquinho o passo para sermos surpreendidas por uma rajada de vento daquelas que aparecem fortes, do nada, e vruuuummmmmm… fez voar meu vestido. Nem pensei! Instanteaneamente, levei uma das mãos à saia pra não ficar pagando calcinha, mas, aí, quem resolveu voar foi a tampa da pizza e, por pouco, não levou a pizza toda pra fazer companhia naquele acrobático rolê aéreo…

Gritei:


      ̶  A pizza, Chu!!!


Nosssaaaaa, a tampa não parava de voar e a Clara não parava de dar gritinho e correr atrás da tampa, e eu lá, dobrada de tanto rir, com uma mão na saia e uma pizza descoberta na outra… Jesus!!! Que que era aquilo??? Não era só um planetário??? Kkkkkkkkkk 


Finalmente, a Clá conseguiu pegar a tampa e a gente pôde voltar para o nosso caminho… andando rápido, né? Claro! Afinal, a gente ainda não havia desistido da pizza e ela ainda estava em ótimo estado, apesar de ter sofrido tantos possíveis atentados.

Ufaaa!!! Chegamos no carro. Rindo ainda. E permanecemos rindo durante um bom tempo no trajeto para casa – claro que, dessa vez, comendo a tal pizza que estava realmente deliciosa.

      ̶  Caramba, Chu. Era só um planetário, hein? E acabou virando uma corrida de obstáculos…

      ̶  Amei nossa tarde, Grei.

      ̶  Eu também, Chu. Eu também!

E falei isso com o coração transbordando de orgulho e gratidão, consciente de que foi o tipo de tarde que ganhamos de “brinde”: sem custo, sem programação, muito menos premeditação, que não há nem como recomendar a um amigo, e que pode ser que nunca sejamos premiadas com outra igual.

Mas, certamente, ficou a receita: tenha um sonho simples, aproveite o sol, siga seu coração e se jogue no vento.

Lela Albuquerque (e Clara, né? rssss … sem ela a história não seria escrita…)



terça-feira, 23 de junho de 2015

Aconteceu comigo: INCÊNDIO

Era sempre o mesmo sonho. Desde meus 6 ou 7 anos.

Estava num prédio com escadas largas e regulares, um vitrô no meio.... parecia antigo, mas bonito, branco, bem conservado... Estava sempre apenas com uma menina mais ou menos da minha idade, parecíamos amigas, às vezes muito próximas, às vezes muito distantes, talvez indiferentes... sei lá!!! Para mim essas coisas ainda são inexplicáveis. Acredito que indefiníveis...

Fato é que quando o sonho começava estávamos às vezes brincando, às vezes correndo, conversando, nos procurando, nos escondendo, mas sempre começava conosco bem. Aí passávamos por um momento de tensão porque descobríamos que o prédio estava "pegando fogo", para usar a minha linguagem infantil original.

Claro que nos perdíamos e, de repente, a tensão era só minha, porque me via absolutamente sozinha naquele gigante branco, cheio de escadas brancas, corredores profundos brancos e cheios de portas brancas fechadas e longas sombras negras, calor crescente e a súbita ausência de luz.


Lembro-me perfeitamente da sensação de prisão e pavor e desejo de sumir daquele lugar e a absoluta impotência da solidão. Lembro-me das lágrimas escorrendo e da dúvida entre subir ou descer, da escolha ora por um, ora por outro, num pânico crescente de querer e precisar achar a saída e a voz que a determinado momento sempre me dizia: "Desce! Desce! Você tem que descer!" e eu descia.... Ficava escuro e de repente era só a luz do fogo que vinha de uma salinha subterrânea...

Para o meu espanto, ali o fogo era controlado, não passava da salinha... como se fosse uma grande lareira, e eu conseguia me aproximar... Sempre colava o rosto no batente da porta e ficava tentando controlar minha respiração acelerada pra não fazer barulho e olhava o ambiente sem acabamento ou reboque. As paredes e o chão eram de barro, como se fosse uma caverna mesmo, havia uma penteadeira encostada no meio de uma das paredes e uma monstra toda vaidosa e orgulhosa passando batom... tipo a Cuca do "Sítio-do-Pica-Pau-Amarelo", sabe??? ... Confesso que a associação  hoje me faz rir, mas garanto que à época era absolutamente assustadora.


Eu sempre acordava tremendo, chorando, suada e com falta de ar. Muita falta de ar!!!

Sonhos à parte, a vida foi acontecendo, eu crescendo e o tempo passando e aquele sonho de vez em quando me visitava.

No calendário, estávamos em 10 de janeiro de 2005. Cinco horas da tarde. Tarde bem quente de janeiro, em pleno coração da cidade de São Paulo. Centro. Anhangabaú. Tarde daquelas que pedem praia, piscina, cerveja gelada.

Eu tinha acabado de voltar de férias. Calça jeans, uma bata rosa-bebê de alcinha e sandália bem aberta de saltinho. Estava absolutamente tomada pelo mau-humor e a paciência totalmente esgotada para as picuinhas diárias e infelicidades mal disfarçadas que pareciam comum a todos naquele lugar, inclusive as minhas.

"Quero ir embora. Quero ir embora. Quero ir embora. Quero sumiiiirrrr."

A luz piscou.

"Estranho!"

Não foi só na nossa sala. Foi geral. O andar inteiro piscou.

Já tinha idade suficiente para entender que era preciso tentar manter a normalidade frente às estranhezas da vida. Fiquei na minha.

Mas minha indiferença e meu recolhimento ao meu mau-humor e insatisfação duraram apenas alguns segundos e foram suspensos pela total interrupção da iluminação e pelo som ardido e repetitivo de um alarme.

Ok. Mudei na hora o rótulo da coisa toda. Aquilo não era mais uma simples estranheza. Aquilo já era uma grande novidade.

A voz familiar da guardete que trabalhava conosco também tinha uma firmeza e um tom impositivo novos. Naquele momento quem estabeleceu uma ordem ali foi ela, e a ordem era "Vamo! Vamo! Vamo! Pra escada AGORA! Desce! Desce! Desce!".

Sim. Eu já havia participado em anos anteriores do treinamento de brigada de incêndio daquele mesmo prédio e na hora só conseguia me lembrar do "se acontecer alguma coisa, procurem sempre manter a calma" e "se lembrarem, peguem seus pertences pessoais e tirem seus aparelhos eletrônicos da tomada".

"Ai, meu Deus!!! O sonho!!"

"Respira, Valéria, respira!!!!"

"Pega a sua bolsa. Seu celular."

"Agora vai. Com calma. Pra escada."

"Caramba!!!! Tô no vigésimo andar!!!"

"Respira!"

"O sonho!"

"Não vai ser nada!"

"É verdade! Não vai ser nada! Volta e tira seu computador da tomada!"

Voltei, me abaixei o suficiente pra puxar o fio da tomada e lá estava ela, desta vez gritando comigo:

- Que você está fazendo aí, Valéria? - Me pegou com firmeza pelo braço e me puxou em direção à saída - DESCE!

"Caramba! Será?"

O alarme era insistente. E a única luz era aquela que vinha das janelas.

"Pronto! A falta de ar!"

"Ok. Vamos lá! Calma! Não tem motivo pra faltar o ar! Está tudo bem! Apenas desça!"

No curto espaço entre minha sala e a escada encontrei meus colegas, todos aparentando estar na mesma situação, todos tentando disfarçar o medo... Uma mistura de auto-controle com incredulidade... Todos extremamente frágeis.

Foi abrir a porta de ferro que nos separava da escada e.... UAU!!! Tinha bastante gente naquele prédio, hein!!! Bastante gente frágil!!!

"Ai, meu Deus!!! Essa escada caracol!!!!"... Bem, pelo menos isso era diferente do meu sonho.

O barulho era proporcional ao número de gente que se somava a cada segundo e a cada andar. Era muita gente mesmo. Os números depois indicariam, aproximadamente, mil e cem pessoas!!!

À medida que fomos descendo e nada de anormal acontecia, foi me dando uma esperançazinha de que aquilo tudo fosse um enorme engano. Tá, era verdade que a insistência do alarme não correspondia às minhas esperanças, mas.... não havia fogo, não havia calor, nada que pudesse justificar um pânico. Éramos muitos, uma fila indiana sem fim, dois por degrau, se amontoando mais pra direita onde o degrau era mais largo, mas estávamos relativamente calmos, conversando, tentando manter o bom-humor e já estávamos no décimo-segundo andar.

Quis o destino que um amigo muito querido meu, estivesse bem atrás de mim. Um cara brincalhão, bem-humorado, baiano arretado, daqueles expansivos, cuja presença é impossível de ser ignorada. Eu amo esse cara. É um amigo e tanto. "Meu" "Negucho". Só por ele estar ali, eu já me sentia mais segura. Naquele momento ele tinha acabado de exteriorizar o meu próprio sentimento.

- Deve ser brincadeira essa porra!

Décimo andar. Uma leve mudança no ar. Parecia mais pesado, um cheiro leve de fumaça e o primeiro sinal realmente estranho.

Um senhor de meia idade vinha no contra-fluxo. Parecia bem nervoso. Estava muito suado. E tirou a camiseta com uma espécie de angústia não controlada.

"Meu Negucho" aumentou o tom no esforço de deixar a coisa divertida.

- Aê, mulherada! Tá ficando boa a brincadeira. Bora todo mundo tirar a roupa aê.

Passei pelo senhor. Ele ouviu a brincadeira, mas não sorriu. Nossos olhos se cruzaram. Consegui perguntar baixinho:

- O que está acontecendo, moço?

Ele não me olhava mais, olhava pra cima, um olhar meio perdido, mas me respondeu:

- Não dá pra descer!

Pronto! Ninguém ouviu! Foi um momento quase sussurrado meu com aquele estranho. A intimidade às vezes escolhe maneiras esquisitas de se manifestar. Meu ar fugiu de novo. E desta vez, levou meu sangue com ele.

"Meu, Senhor!!! O que significava aquilo?"

"Desce! Continua descendo. Continua respirando. Foca! Calma!"

O ar já começava a deixar a visão nublada. "Puts! Era fumaça."

Senti bem pouco a estranheza do cheiro, porque ela veio acompanhada da dificuldade em respirar.

Aquilo era real. Bem real.

A velocidade dos passos aumentou. Já não éramos mais dois por degrau. Três? Talvez quatro? Já começava a sentir a mão do detrás me empurrando e meu corpo empurrando o da frente e... "meu Deus!!! Parece que eles ainda conseguem respirar... eu não consigo mais!!! Deve ser porque eu fumo!!! Mas nunca traguei tanta fumaça na minha vida!!! Cacete de cigarro!!! Caralhoooooo!!! Não acredito!!!!"

"- Deus!!!! Isso aqui é muito sério!!! Eles estão respirando, eu não! Eu juro! Se eu sair daqui com vida,. eu NUNCA MAIS NA MINHA VIDA faço isso de livre e espontânea vontade de novo!"

Imagem retirada de uma das reportagens oficiais.

Sétimo andar. Não dava mais pra mim. Resolvi parar num cantinho da parede e ir usando o pouquinho de força que me restava ali naquele lugar.

Foi aí que ela me "achou". Minha então chefe. Demorou apenas frações de segundo pra eu sentir a "mãozinha" da "menina" do meu sonho.

"Ah, não, meu Deus!!! Isso tá cada vez mais real!! Me tira daquiiii!!!!"

Meu olhar pra ela deve ter sido o mais incrédulo e débil possível.

- Val, que você tá fazendo aqui?

"Não!!!! Não me obriga a falar!!! Não me obriga a falar!!!! Não consigo!!!"

Não conseguia falar mesmo. Descobri que a voz, pra sair, precisa de ar. E esse já era artigo bem raro pra mim.

Fechei os olhos, balancei a cabeça, abri e fechei a mão esquerda, em direção à escada que estava à minha direita, como quem diz: "Vai!"

Ela me pegou com força pelo ombro e olhou bem nos meus olhos e disse:

- Eu não vou te deixar aqui!

Num esforço sobrenatural, eu consegui falar:

- Eu não consigo. Não dá mais pra respirar! - e fiz de novo sinal para ela ir.

Mas ela estava decidida. Me puxou com ela. E sabe-se lá Deus como eu fui. Minhas pernas já estavam bem fracas. Uma sensação bem estranha essa, das pernas fracas...

Mas, de novo, durou pouco. Enxergava-se cada vez menos. Estávamos no quinto andar e agora tudo estava cinza chumbo. Não dava pra ver nem as pessoas que se aventuravam pelo andar debaixo.

E o que parecia óbvio, se tornou ainda mais assustador. Da fumaça veio uma voz de homem. Firme, mas bem assustada.

- Sobe! Sobe! Não dá mais! Não dá mais! Sobeeeee!!!

Era o que faltava para que eu chegasse no meu próprio limite também. Me lembro de ter virado. E só.

O pânico generalizado que se formou ali venceu a determinação da minha chefe de me levar junto dela. Era impossível escolher onde ficar, muito menos com quem ficar. Eu estava sozinha de novo. E completamente sem ar.

Uso o termo "desmaiar" por absoluta ignorância de outro melhor... O fato é que meu organismo foi "entendendo" que não havia mais forças para continuar a "viver", meu joelho dobrou, e meu corpo foi tombando pra trás, mas eu estava absolutamente consciente do que estava acontecendo.

Impressionante como, no pânico, as leis da física são desafiadas e como dois corpos praticamente ocupam simultaneamente o mesmo espaço... ali cabia muito mais gente por metro quadrado do que o sequer imaginado.

Bem, a pessoa que estava atrás de mim ainda estava conseguindo respirar e com certeza queria se livrar do "obstáculo" decadente à frente dela, e me empurrou e aquele empurrão salvou a minha vida.

Eu nem sequer imaginava que isso existia ou era possível, mas meu organismo usou a força com que fui projetada pra frente para expelir "automaticamente" aquela "massa" de fumaça que me impedia de respirar e, consequentemente, de me mover voluntariamente.

Vomitei, e não foi no chão... (eca!)... e, para o meu espanto, imediatamente consegui respirar de novo. Ganhei força suficiente para me encostar na parede e subir apenas mais um lance de escadas e chegar, de novo, no sexto andar.

A essa altura, a escada era uma verdadeira chaminé.... Daquelas que trabalham com volume máximo... As pessoas já se debatiam desesperadas umas nas outras tentando encontrar uma saída, o que era ainda mais difícil na escuridão. Na escada, umas desciam, outras subiam, quase todos choravam...As que subiam ultrapassavam a porta de ferro que separava a escada do estabelecimento comercial situado no andar... Todos procuravam distância de tanta fumaça... Todos precisavam de ar... Todos queriam viver...

Saíam lágrimas dos meus olhos, mas eu não conseguia nem me debater, nem chorar.... Eu sequer conseguia me deslocar da parede... Fiquei ali, parada, ouvindo a gritaria: "Não dá! Não dá! A porta está trancada! Sobe! Sobe! Sobe!", torcendo pra alguém me empurrar de novo, o que, de fato, levou apenas alguns eternos segundos para acontecer...

"Ufa!!! Gracas a Deus!!! Lá vou eu de novo..."

Mais uma vez, vomitei. Mais uma vez voltei. Mais um andar de vida.

Uma coisa pra mim estava clara. Apesar de não ter força alguma, eu ia lutar. Nem que isso significasse "apenas" rezar... Eu não queria morrer. Achava um absurdo a ideia de morrer por atacado. Aquilo me parecia tão... frio!!

Quanta contradição, meu Deus! Falar de frio num incêndio! Mas era. Era gelado. Morrer numa massa. Morrer sendo um número. "Morrer tão nova.". Dali a apenas três meses eu faria 30 anos.

"Tá vendo, Valéria! Deve ser castigo! Você 'sofrendo' tanto porque vai fazer trinta e agora pode ser até que você não faça!"

"Não!!! Ah, meu Deus, nããããõooo!!!! Eu quero fazer trinta!!! Trinta é super pouco!!! Eu VOU fazer trinta!!! Só mais um andar!!"

"Vai, Valéria, falta pouco!! Só mais alguns degraus!!!"

Cheguei! Estava no sétimo. Me larguei de novo na parede... A fumaça era muuuuuiiiiiittoooooo densa e deixava tudo muuuuiiiiiiitttoooooo escuro. Como eu estava em um ritmo muito mais lento, restavam pouquíssimos atrás de mim, quase ninguém, o que diminuía razoavelmente as chances de ser empurrada de novo.

Pronto!!! Era aquilo!!! Restava rezar...

Fechei os olhos e fui me deixando ali...

Sempre tive um "dispositivo de segurança" que aciona o "botão anti-pânico" em situações desastrosas. Ele consiste em respirar e pensar: "Calma! Calma! Fica calma!"... Ok!!! É bem verdade que o tal dispositivo já estava 50% prejudicado, já que não dava mais pra respirar, mas ainda restava pensar: "Calma! Clama! Fica calma!"

"Caramba! Nem pensei nos meus pais ainda! Credo! Devo me culpar por isso?"

"Pra que pensar nos meus pais? Eu vou sair daqui! Eu preciso sair daqui!"

"Mãe!!!"

E pensar na minha mãe provocou uma espécie de soluço seco e deve ter sido esse barulho o responsável por indicar minha localização e então uma mão me puxou num tranco igualmente seco e, apesar da dificuldade, eu consegui ouvir:

- Eiii! Vem pra cá!

Tentei abrir os olhos.... Aquela mão! Fria! Suada! Aquela menina!... "Como será que ela me achou?"... Impossível saber. Eu já não tinha mais muita consciência do todo! Não tinha forças... Agora era preciso esforços para abrir os olhos. Ela me puxou com força, já não tinha mais nada a vomitar, mas o tranco me deu forças finalmente para chorar.

- Vem!! Por aqui dá! Eles quebraram a porta. Cadê seu sapato?

Não sabia. Olhei pra baixo numa tentativa débil de enxergar meu pé e vi a sandália enganchada pela presilha no meu braço. Não lembrava de ter feito aquilo. Mostrei meu braço a ela, mas ela não estava vendo mais e continuou me puxando.

A porta do estabelecimento naquele andar era toda de vidro. Parece que um grupo de homens mais fortes e determinados estouraram a tal porta com um capacete. Era vidro pra todo lado. E eu andando naquilo tudo...descalça...

Minto se disser que senti algo. Nada! Absolutamente nada!!

O chão do andar estava repleto de cacos de vidros, eu sendo puxada pelo braço pela minha chefe, chorando, e agora cuspindo também, sem parar, descalça, sangrando e não sentia nada.

Acho que nem tive tempo de descrever o prédio, né?

É um prédio bem antigo mesmo, um dos primeiros a serem construídos no Centro da cidade. Fica atrás do Teatro Municipal e bem próximo ao Viaduto do Chá, ali onde, em épocas passadas, era a sede da empresa de energia Light e onde atualmente encontra-se o Shopping Light.

O prédio era originalmente uma construção bem extensa. Localizado numa esquina nobre, possuía dois acessos de entrada e era um grande bloco. Com o passar dos anos, o prédio foi dividido, donos diferentes para cada "portaria". Para viabilizar a divisão, em todos os 34 andares do edifício, foram erguidas paredes, que terminavam sempre com a instalação de uma porta corta-fogo, que permanecia trancada.

Bem, ao que parecia, a parte mais difícil, a de estraçalhar a grande porta de vidro temperado do escritório daquele andar, fora feita. A partir daí, os esforços foram transferidos para arrombar o lacre da porta corta-fogo, tarefa que deve ter sido mais fácil, desconfio, porque quando cheguei naquele ponto, tudo já havia sido feito e o que eu conseguia registrar era um movimento bem esquisito de várias pessoas perdidas e indecisas e sozinhas.

O andar estava repleto de pessoas que se olhavam mas não se viam... Olhos vidrados uns nos outros procurando respostas que não existiam... Busca por uma saída que já estava sinalizada, busca pela coragem de se arriscar na suposta saída...

"E se também não desse para descer?.... E se ali também estivesse do mesmo jeito?"

Eu, que sempre fui intensa nas minhas próprias escolhas e decisões e senhora de minha "independência", agora me via ali, um número chorão, que não tinha nem ao menos a escolha de meus próprios passos, primeiro porque mal respirava, segundo porque não conseguia parar de chorar e cuspir (que reação era aquela afinal?) e terceiro porque agora também descobri que ainda não conseguia falar.

Continuava sendo empurrada e entendia agora que, devido à minha total falta de condições, eu estava entregue às decisões de outra pessoa, pelo menos aquela "menina" sempre fora muito ajuizada.

"Engraçado... eu sempre a julgara mais frágil do que eu... Que tolice!... Será que ela mesma sabia de sua fortaleza? O que ela, que não lidava bem com o inesperado, faria com toda aquela avalanche de acontecimentos e emoções?"... Tive vontade de abraçá-la... mas foi só um pensamento, uma impressão... Só uma vontade...

No caminho rumo à escada da outra parte do prédio, em uma das janelas vi aquele amigo que descia comigo e que sempre teve todo o meu amor. Queria chamá-lo, ele tinha o desespero estampado na cara, mas como? Minha voz não saía... Fiz a única coisa que me pareceu possível para chamar a atenção da minha chefe. Parei de andar. Ela olhou pra trás e apontei vagamente com o queixo para o lugar onde estava meu amigo. Ela o chamou e ele veio ao nosso encontro com a rapidez de quem está de fato desesperado.

Ela disse:

- Vem com a gente. Parece que a escada do outro lado está livre. Vem!

Eu peguei na mão dele. E fiz que sim com a cabeça e chorei um pouco mais, talvez por encontrar alguém que eu tanto amo.

Mas ele olhou bem nos meus olhos e respondeu balançando a cabeça bem agitado:

- Não vou não. Tô com medo. Caralho, eu tô com medo, porra!!!!

E voltou pra janela. O desespero tomou conta de mim.

"Ah, não!!!! O que que ele foi fazer na janela??? Ai, meu Deus não permita que ele faça nenhuma besteira", e juntei todas as minhas forças pra balbuciar a ela....

- Por favor... não!

Ela me olhou com toda aquela força e respondeu:

- Você não vai voltar. Estão dizendo que os bombeiros estão começando a subir e que a escada está limpa, eu vou te levar comigo.

- E ele?

- Ele vai daqui a pouco. Com certeza.

Bom, dali pra frente foi relativamente tranquilo. A escada de fato estava limpa, havia seguranças e brigadistas auxiliando na descida e em pouco tempo me vi fora do prédio.

Agora eu conseguiria respirar... certo?

Errado! A fumaça era densa demais... e eu não conseguia mesmo respirar... nem ali fora.

O desespero quase tomou conta de mim de novo e eu sugeri em gestos à minha companheira de fuga que continuássemos andando.

Fomos em direção ao Shopping e eu continuava descalça, chorando e cuspindo.... Aliás!!! Inconformada com aquilo, diga-se de passagem... "Será que alguém pode me explicar que reação ridícula é essa de cuspir incontrolavelmente?? Justo eu que sempre tive nojo de cuspir em público, me via não só cuspindo como vomitando também!". 

Mas era assim. Andava chorando, tipo nem aí pro povo olhando, descalça, sangrando e cuspindo. E meu cuspe era preto. Bem preto.

Entramos no shopping e dei de cara com uma televisãozinha dessas lanchonetes tipo quiosque e fiquei hipnotizada com as imagens. Era o prédio. Estava sendo televisionado. 

"Ah, meu Deus!!! A minha mãe. Com certeza ela não está vendo, porque senão já tinha me ligado, mas é questão de tempo, e eu nem tenho tanta bateria assim, melhor eu ligar." 

Peguei meu celular e ela atendeu prontamente. Acabei a assustando muito mais do que tinha intenção, porque eu não conseguia falar ainda, só chorava, e ela em seu desespero de mãe, aumentou o tom para perguntar o que estava acontecendo e aí é que não me ouvia mesmo... Juntei todas as minhas forças e falei:

- Mãe, presta atenção. Eu não estou conseguindo falar. Só me ouve.

E continuei... sussurrando dessa vez.

- O prédio do trabalho pegou fogo. Está na televisão. Já saí. Estou bem. Estou no shopping e vou desligar porque não consigo mesmo falar.

E desliguei. E não parava de chorar.

Os seguranças do Shopping nos levaram ao posto médico que já estava cheio de gente nas mesmas condições que nós duas. Trouxeram a primeira ambulância, cabiam seis pessoas, pegaram as seis "piores" aos olhos deles. Estávamos entre elas.

Minha mãe não parava de me ligar. Consegui avisar que estavam nos levando para a Santa Casa, ela disse que meu pai, que trabalhava no meio do caminho, iria para lá também.

Junto conosco, na ambulância, havia uma mocinha muito bonitinha, mas bem pior do que nós, os outros cinco. Foi por ela que saí do meu umbigo e parei de chorar. Agora era preciso rezar. Me parecia que ela não conseguiria viver. Fiquei com muito medo mesmo que algo de pior acontecesse durante aquele intervalo em que estávamos entregues ao trânsito caótico de São Paulo. Uma coisa era certa: eu jamais seria indiferente ao barulho de sirene novamente no trânsito.



Milagrosamente, em apenas alguns poucos minutos, chegamos à Santa Casa de São Paulo. Estava repleta de gente do nosso prédio. Parece que cada um foi pra um lado e todos os prédios vizinhos se mobilizavam em encaminhar as vítimas para aquele hospital. Os médicos, enfermeiros e residentes estavam completamente atordoados. Não havia oxigênio para todos. Mas todos precisavam de ajuda para respirar. Colocaram a mocinha da ambulância na maca. Correram com ela pro lado de dentro do hospital. Reduziram o tempo de oxigênio individual, sei lá em que momento lavaram os meus pés e me fizeram um curativo. E eu já estava apenas em observação quando vi meu pai me procurando.

Meu pai, meu herói, que sempre "aparecia" quando eu estava em apuros, não importava a situação. Chorei de novo. Muito dessa vez. Mas soube que finalmente aquele episódio teria fim. 

Na verdade, estava claro que toda aquela intensidade imposta, vinda do nada, tão sem aviso, duraria um bom tempo na vida de quem a vivenciou. 

Fiquei alguns dias revivendo involuntariamente todas aquelas sensações. Cuspindo preto. Chorando. Com medo. Sozinha. Já morava em prédio e fiquei dias trancada com medo de sair do meu apartamento. Não importava o apelo da família. Eu não conseguia descer.

Mas era dia de terapia e eu sabia que era a única saída pra mim. Eu precisava me livrar daquele pesadelo. Tentei primeiro descer pelo elevador, não deu. Tentei descer pela escada e foi bem pior. Assim que abri a porta corta-fogo, senti aquele cheiro insuportável de novo (incrível as ferramentas que nosso cérebro é capaz de usar!!!!). Não conseguia respirar de novo. Voltei pra casa e chorei mais um pouco.

Mas era dia de terapia, lembra? Eu sabia que me ajudaria... Me enchi de coragem e fui. Pelo elevador! Chorando. Mas fui.

Eu estava certa. A terapia foi realmente a minha arma mais poderosa na luta contra aquele pesadelo. Chorei muito as minhas dores e aos poucos passei a aceitar o incêndio com a simbologia que o fogo nos sugere: "RENOVAÇÃO"!

E os fatos seguiram assim:

- Foi comprovado que, de fato, o incêndio começou no subsolo (lá onde "morava" a Monstra vaidosa!). A causa foi um curto circuito no sistema de ar-condicionado. Uma provável sobrecarga causada pelo calor excessivo;

- Não houve vítimas fatais. Apenas alguns bombeiros, policiais e trabalhadores necessitados de cuidados extras, internados por algumas horas;

- A imprensa sensacionalista levou a matéria ao ar durante três dias (sinal que, por três dias, não houve outras desgraças muito significativas);

- A imprensa "elitista" apenas noticiou no horário nobre: "O edifício onde se localiza o Instituto Fernando Henrique Cardoso sofreu um incêndio na tarde de hoje. Não houve vítimas fatais. O acervo do Instituto não foi afetado." (Oi???? "O acervo do Instituto Fernando Henrique Cardoso não foi afetado"???? Ahhh tá!!!! Ufa, né?)

- Demorei para ter notícias de meu amigo, mas ele desceu logo depois de mim e não precisou ir ao hospital, e, no momento em que entrava no carro com meu pai, vi aquela menina da ambulância sendo conduzida por um enfermeiro, na cadeira de rodas, à sala de observação;

- O prédio ficou interditado por seis meses por risco de desabamento. E hoje, depois de todas as obras e procedimentos de adaptação e modernização, é um prédio seguro;

-  Levo à risca minha jura. Nunca mais pus um cigarro na boca, e

- Hoje, é praticamente impossível para mim, ouvir sirene no trânsito e não desesperar para abrir caminho.  

Isso foi em 2005. Há dez anos atrás. Muitas coisas aconteceram na minha vida desde então e o episódio ficou adormecido.

Foi num dia desses, descendo no elevador do prédio onde atualmente moro, que tudo despertou. O "Comunicado do Treinamento da Brigada de Incêndio" estava lá e, em apenas um piscar de olhos, senti o cheiro da fumaça de novo. 

Descobri que nós somos um acervo vivo de memórias a serem despertadas. Um acervo que vale a pena ser conservado a todo custo. Um acervo realmente valioso.

O despertar do "incêndio" foi tão intenso que fez com que minhas mãos escrevessem, no primeiro papel que apareceu na minha frente, uma poesia que, depois, seria publicada na Roda de Escritores. Ficou assim:

INCÊNDIO

"Vidro quebrado,
Pés machucados,
Fogo reinando.

Olhos esbugalhados,
Corpos suados,
Vidas sangrando.

Passados frustrados,
Sonhos manchados,
Esperança soprando.

Um desejo lembrado,
Um dado jogado,
E todas as forças voltando."

 (http://rodadeescritores.com.br/2015/03/18/lelaabuquerque/incendio/)

Mas, o que chamou mesmo a minha atenção foi a "chamada" que o administrador daquela comunidade usou para divulgar meu texto. Ele disse: " Um poema pra atiçar a sua paixão. Sabe cumé? Não!? - Incêndio - Lela Albuquerque" ... Tá aí!! Confesso que, eu que não gosto de julgar, fiquei pensando nessa frase o resto do dia... 

"Atiçar a paixão???? ... Como assim???" não era exatamente essa a associação que eu esperava que fizessem, mas ao mesmo tempo não me parecia de todo errada... Algo me soava como certo naquela afirmação, mas, talvez pela marca de dor que ainda me causa o assunto, eu não conseguia acessar a resposta, muito menos fazer a ligação com "paixão".

Minha inconformação foi tamanha que, na manhã seguinte, comentei com minha filha de 9 anos, durante o caminho da escola.

- "Grei!" - é o nome pelo qual nos tratamos! - Você leu a publicação da minha poesia na "Roda de Escritores" ontem?

- Vi sim, Grei. Bem bonita! Gostei!

- Engraçado, filha, você sabe que a mamãe escreveu isso por causa daquele incêndio que aconteceu no prédio que eu trabalhava antes, não sabe?

- Sei sim, Grei.

- Então... Por que será que o cara da "Roda" colocou lá "para atiçar sua paixão"... - e como que falando comigo mesma, só para ouvir minha voz, porque, no fundo, achei que a resposta não viesse dela, continuei - Que relação é essa que esse cara fez?? Eu estava falando do incêndio, eu não estava falando de paixão!!!

E para minha total surpresa e admiração por aquela mocinha, ouvi sua vozinha responder quase imediatamente:

- Ah, mamãe, acho que é porque paixão é vida, né? E você estava falando da vida, não estava? Acho que não é da paixão de amor que ele tava falando...

A emoção veio junto com o espanto. "Jesus!!!!". A olhei como se olha um ET!! Como uma mãe olha uma filha ET, na verdade, porque tinha lágrima em meus olhos!! "Que menina é essa????"...  rsssss

Ela tem razão. Paixão é vida sim. Com todas as suas alegrias, prazeres, dores, frustrações, sofrimentos, lições, aprendizados.

E o administrador da Roda também tem razão. Uma experiência "limite" nos atiça mesmo a vontade de não perder tempo e VIVER!!!!

Então era isso!!! Encerrado o assunto!! Hora de RENOVAR mais uma vez!!

Feliz por continuar aqui e VIVER APAIXONADAMENTE!!!!

Foto: Guilherme Marques
(Em abril de 2015 - Dez anos depois, exatamente no mesmo local, mas do lado de fora do prédio dessa vez!!! rssss.... E bem mais feliz!!!!)
Deixo o link da reportagem oficial: Folha de São Paulo - 10/01/2005 - 22h31. Vale a pena dar uma olhadinha!! 
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u104004.shtml

Mega beijo, ;)

Lela *-*


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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Feliz recomeço!!!

Bastante tempo sem passar por aqui, né??? Eu tinha intenção de começar de um jeito bem diferente, mas.... algumas coisas são melhores quando não planejadas. E agora que percebo que nem ao menos desejei um maravilhoso ano a todos!!! Como diz minha filha: "Meu Deus, mamãe!! Foi-se a educação, hein!?"
Ela tem razão. Perdoem-me o lapso!

Ok, estamos em meados de fevereiro, talvez seja tarde, mas sem dúvida ainda há tempo. E, pegando carona na desculpa de que o ano só começa depois do Carnaval, tudo que desejo é um ano novo repleto de verdade e saúde a todos!!!
Saúde por motivos óbvios. Tudo fica mais difícil sem ela!! Se bem que ando vendo grandes obras sendo realizadas por aí, justamente pela falta dela. Sei lá... Deve ser porque a falta do essencial nos aproxima do próximo (e aí? já sabe o que é essencial pra você??) ... OU a proximidade do fim nos torna mais sensíveis e corajosos ... OU pode ser a vontade de não passar pela vida em branco e deixar uma contribuição pra evolução do nosso pedacinho de chão... tipo uma assinatura final! Devo dizer que algumas são um belo e valioso autógrafo!!!

E verdade. 
Bem, é bíblico né? A verdade traz libertação. E eu amo a liberdade que conquistei e espero ansiosamente aquela que ainda quero conquistar.

Acho que a liberdade nos torna felizes por opção, já que o preço que se paga por ela geralmente é medido numa quantidade razoável de dor. 




Livres temos mais coragem e mais resistência também. 
Na liberdade temos mais escolhas e portanto maior responsabilidade pelos nossos passos. Isso no mínimo nos aproxima da maturidade.... e, apesar de muitos fugirem dela, dessa tal maturidade, ela nem é tão má assim... (particularmente, hoje tenho até uma simpatia por ela... desconfio que seja ela a guardiã da sabedoria, qualidade que facilita o caminho num passe de mágica... até torço pra que a maturidade me encontre e goste mais de mim, mas a danada é difícil, hein!!!! Seletiiiva!!!  Dá uma canseira boa, viu? Aaaaffffff!!!!!!)
Livre me conheço melhor e geralmente me assusto com o resultado do confronto "qualidades X defeitos" . Não há outra opção pra mim: menos julgamento, menos comparações, mais aceitações, menos inveja, menos competições... Aliás, jura que competir é assim tão absolutamente vital??? O que vejo são umas competições, no mínimo, bem nojentas por aí!!
O bom de estar atrasada nos votos de Ano Novo é que já se tem uma vaga ideia do que vem por aí.
Como era de se esperar as dores e dificuldades estão sempre presentes, a desonestidade generalizada, decepções, desrespeito, egoísmo, mentiras. Então, desejo também que possamos escolher sustentar ao menos um pouco de alegria em qualquer tempo, a despeito do mau cenário, e que possamos nos olhar com VERDADE e perceber o quanto desse pacote de horrores ainda existe dentro de nós. 
Que possamos desejar ser, de VERDADE, pessoas melhores, almas melhores e que nos esforcemos em dar alguns mínimos passos nessa direção. 
Que possamos nos aceitar imperfeitos e entender que a VERDADE não é uma sentença elaborada por nós. A VERDADE existe APESAR de nós! E, SIM!!!! Isso dói! Durma com um barulho desse!!!! (Nessa hora, sempre apelo pros conselhos de minha primeira terapeuta, a competentíssima Miriam Izabel: RESPIRE! https://www.facebook.com/miriam.izabelii?fref=ts). 






E, nessa vibe, quero apresentá-los um face-amigo que em pouquíssimo tempo de "amizade" conquistou minha grande admiração. Seu nome é MÁRCIO LEITE.






Foi um outro amigo que me mandou um de seus textos, dizendo que achava que era a minha cara e que eu ia gostar. Bingo!!! Eu amei!! Solicitei amizade na mesma hora, e não parei de lê-lo mais. 



Gosto do estilo curtinho. Da capacidade de dizer muito mais do que coloca nas linhas. Pedi autorização para publicá-lo aqui, o que ele prontamente concedeu com uma educação e gentileza absurdas!!! O que me fez ficar ainda mais sua fã!!





O que conheço dele é bem pouco. Sei que é muito educado, casado, escritor e médico, mora em Salvador e, no momento, passa pelas dificuldades de cumprir a risca uma dieta alimentar, apesar de ser grato pelos resultados obtidos. Mas, como todo bom escritor, ele é transparente e nos deixa ver um pouco além... Se você é daqueles que gosta de aprender com a "tarefa" alheia pra ver se dói um pouco menos na sua vez, esse texto do Márcio é um prato cheio! Quer ver?





"Depois que passei dos cinquenta resolvi desaprender a viver. Decidi ir largando ao longo do caminho a tralha acumulada durante os anos em que aprendi a viver. Vou abandonando velhos hábitos, ensinamentos que me passaram quando andava desavisado, como juntar dinheiro, não falar com estranhos, evitar conflitos. A vida é curta para gasta-la com medos tolos e pessoas fúteis. Procuro gente cuja alma seja vista da esquina. E não preciso procurar muito, encontro este tipo até em fila de banco. Quero desaprender também a correr, a vida não é a maratona que me disseram. Dá tempo pro cafezinho. Não quero mais ser trem, janela está bom. Sento ali e vejo o mundo passar, nas paisagens mais bonitas me detenho. Quero falar com estranhos sim, eles me ensinam tantas coisas... Juntar dinheiro é inútil, quero juntar amigos, juntar amores e sorrisos. Ser honesto até com os que não gostam de mim, quem sabe não se rendem? Ah! E viajar... Aprendo tudo mais fácil e mais rápido quando viajo, quando converso com pessoas que têm a cabeça onde eu tenho os pés. Seriedade? Há hora e lugar. Na maior parte da vida eu quero é rir, no trabalho, na rua, no cemitério. Morrer é difícil, rindo deve descer mais fácil. Está na hora de desaprender muitas coisas. Às vezes dá medo de girar o carretel para trás, ler o livro começando pelo fim, mas não tem jeito. Quero desaprender o que o mundo fez de mim, não quero ser uma caricatura, uma obra falsificada. Não quero ser sucesso, me basta ser autêntico. O tempo tem me ensinado a não ser uma expectativa, um jogo de cartas marcadas, razão porque quero desaprender a viver. Agora só quero aprender a ser eu.




Marcio Leite"



É.... Depois dessa, permitam-me atualizar meus votos: Um 2015 cheio de Saúde! Verdade! Coragem! Alegria!  e Fé!!! e um saldo positivo no final! ;)




Beijoooooo!!!! *-*
Lela *-*
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